João Paulo Meneses - "Dar primeiro é muito importante"


Por Diogo Pereira
diogoatpereira@gmail.com

Com uma carreira centrada na rádio, João Paulo Meneses também passou pela escrita no norte do país. Atualmente ocupa os seus dias com as dores de cabeça da internet e vive pressionado pela necessidade de saber se vai para o ar primeiro ou se vai para o site. O editor de online que também é professor de comunicação vê a internet como a grande revolução do jornalismo e acredita que esta nova forma de comunicar veio para ficar e já começou a afetar profundamente a rádio, a televisão e os jornais. Em mais um dos seus dias de trabalho deu-me esta entrevista no estúdio dois da TSF no Porto, por volta do meio dia.

A TSF, quando surgiu, introduziu uma grande novidade no jornalismo português que foi o jornalismo quase instantâneo, a informação de trinta em trinta minutos. Atualmente parece que o público já não se contenta com informação de meia em meia hora, já quer informação ao minuto. Como é que uma rádio, que tem que obedecer a determinados critérios, lida com estas questões?

A questão da aceleração dos ciclos informativos: antigamente era uma vez por dia, com o jornal ou com o telejornal, a rádio nunca tinha muito protagonismo informativo. Depois a rádio passou a fazer hora a hora, a televisão manteve sempre um certo recato fazendo apenas um ou dois noticiários por dia. Depois apareceram as rádios de informação nos Estados Unidos, a partir, sobretudo, da década de sessenta e depois começaram a aparecer também canais de televisão de informação em tempo real, na década de setenta, sobretudo. Hoje em dia é verdade que o ciclo informativo é diferente. Uma notícia dura menos tempo, não pode estar à espera de ir para o ar, tem que ir para o ar rapidamente e isso coloca uma série de questões importantes. A TSF trouxe realmente uma vertente bastante diferente quando surgiu em Portugal, representou um corte com a tradição de guardar as notícias. Eu ainda trabalhei na RDP, no final da década de oitenta, e nós fazíamos e guardávamos notícias para o dia seguinte ou para dois dias depois porque sabíamos que não havia concorrência e, por isso, ela podia ficar para uns dias depois. Hoje isso é absolutamente impensável porque quem guarda uma notícia arrisca-se a perde-la. No que diz respeito ao online a questão coloca-se mais ao nível da filosofia do próprio site. Obviamente que quando acontece uma coisa de última hora, nós colocamos de imediato no site mas o site da TSF tem algumas particularidades porque está pendurado na informação que a própria rádio produz. Teoricamente, numa situação normal, noventa por cento ou noventa e cinco por cento das informações que a TSF coloca no site foram primeiro emitidas pela rádio portanto não se coloca tanto a questão da premência das notícias porque há uma relação demasiado umbilical do site à própria rádio. 

Há uns tempos, quando pensávamos em jornalismo, pensávamos num jornalismo de qualidade, com notícias bem desenvolvidas. Atualmente parece que já não é tanto assim. Não interessa quem deu melhor, mas quem deu primeiro... 

Por muito que nós, jornalistas, digamos que é melhor dar bem do que dar mal e primeiro, dar primeiro é muito importante. Até pode ser que não se consiga dar em primeiro lugar mas a internet veio revolucionar a maneira, não só como se produz, mas também como se consome e como se distribui. A internet veio mudar tudo. Veio mudar o emissor, o recetor, o meio... É a maior revolução, não sei se da humanidade, mas pelo menos do jornalismo. Não é necessariamente a questão do exclusivo, mas se nós atrasamos uma notícia com impacto uma ou duas horas, provavelmente quando nós a publicarmos já ninguém a quer ver porque ela já fez o ciclo na net. É dramático isto. 

Quando a rádio surgiu pensou-se que ela fosse uma ameaça para os jornais, o mesmo aconteceu quando a televisão surgiu, mas também há quem diga que a internet foi completamente diferente porque nenhum dos outros meios afetou o anterior como a internet está a afetar. Acha que os meios tradicionais estão em risco? 

Acho. Primeiro que tudo, a pergunta não é disparatada mas parte de um conceito errado que é nós podermos comparar a internet com os outros meios. Quando a rádio aparece, não compete diretamente com os jornais porque era essencialmente composta por música. A rádio só começa a competir com os jornais quando começa a publicar notícias. Há, inclusivamente, coisas ridículas dos jornais a proibirem as rádios de publicarem notícias, nomeadamente nos Estados Unidos porque achavam que se a rádio começasse a dar notícias eles iam ficar mais fracos. Quando a televisão aparece a rádio também se sente ameaçada. Mas até aqui estamos a falar de meio contra outro meio. A internet é uma coisa absolutamente incomparável com um meio. A internet engloba tudo, engloba o som, a imagem, tudo. Acho que a internet é uma ameaça, mas não significa que a ameaça vá matar os outros meios, mas vê-se o que é que está a acontecer aos jornais, por exemplo. Daqui a dez anos é possível que ainda existam alguns jornais em papel mas daqui a vinte ou trinta tenho as minhas dúvidas. É normal que um mercado como o português possa ter uma revista ou duas para um mercado mais específico, uma elite muito selecionada mas o consumo vai ser feito essencialmente na net. A rádio tem uma característica interessante porque permite acumulação de tarefas, por exemplo o carro ou correr ou cozinhar e ouvir rádio. Eu não posso estar a conduzir e a ver televisão ou estar a trabalhar e a ver televisão, não faz sentido e por isso a rádio tem esse nicho que tem vindo a aproveitar cada vez mais para se segmentar. Essa rádio de companhia, sobretudo a quem está sozinho num carro, não está ameaçada. A internet é uma ameaça, pela forma como se sobrepõe e abafa todos os meios individualmente. 

Recentemente o Miguel Sousa Tavares disse que o jornalismo de referência tem que se afastar das redes sociais, daquilo que é o jornalista-cidadão. Como é que vê este conceito, e esta posição? Eu estive a acompanhar o turno da manha da TSF e reparei que a TSF está sempre muito atenta às redes sociais, nomeadamente de outros órgãos de comunicação mas também dos utilizadores comuns... 

Isto é uma moda. Primeiro que tudo o conceito de jornalista-cidadão é um conceito em si próprio antagónico. Um cidadão não pode ser jornalista porque para ser jornalista tem que dominar um conjunto de técnicas e ter um conjunto de conhecimentos, éticos, deontológicos, etc. É uma moda pensar-se que as pessoas que publicam num blogue ou que publicam fotos de uma manifestação, por exemplo, no Facebook são jornalistas. Outra coisa completamente diferente é considerar-se ou não essas pessoas como fontes de informação. Acho que se devem considerar essas pessoas como fontes de informação e usar, se for credível, como uma das partes, como um testemunho identificado como tal, mas não fazer disso jornalismo. As reservas do Miguel Sousa Tavares, nele, são um pouco estruturais porque penso que ele é um "velho do Restelo", mas tem alguma razão no sentido de misturar os planos. Uma coisa é o jornalismo, outra coisa são as redes socias. O que as redes sociais podem fazer é, por um lado, promover, divulgar, amplificar o jornalismo, por outro lado os jornalistas devem usar as redes sociais como fontes de informação. 

O público em geral consegue distinguir estas diferenças ou aceitam como informação fidedigna a informação que não é assinada por um órgão de comunicação social na internet?

Acho que as pessoas sabem distinguir. Haverá sempre quem não saiba mas acho que a maior parte das pessoas sabe distinguir. Por isso é que se nota que os sites que têm mais audiência são os sites jornalísticos. Não são os sites de fofocas. Se alguém quiser saber de notícias em Portugal vai ao site d'A Bola, do Record, etc. 


Acha que, a partida, as pessoas estão perfeitamente conscientes daquilo que é o verdadeiro jornalismo? 

Não, perfeitamente conscientes também é uma adjetivação exagerada. Mas acho que, no geral, as pessoas sabem distinguir quando uma informação é apresentada por um meio jornalístico e quando é que não é. 


Quando a TSF tem uma notícia em primeira mão, e sabem que correm o risco de outro órgão também a divulgar o que é que fazem? Colocam de imediato no site ou esperam pelo noticiário na rádio? 

Esse tipo de informação é publicada primeiro no site, assim que a informação está disponível a ideia é publica-la. Até porque ela, de certeza absoluta, vai aparecer noutro sítio.

©Entrevista gravada em 3 de Junho de 2013